Até 2017, 60% dos veículos do mundo estarão ligados à internet, produzindo milhares de dados. A dúvida é: quem terá acesso a essas informações e como elas serão usadas no futuro?
11 de março de 2013 | 2h 11 – Em breve, os carros estarão tão conectados às redes sem fio que se tornarão uma espécie de smartphone gigante rodando pelas ruas – com sistemas de chamada, transmissão instantânea de vídeos (streaming), câmeras e aplicativos capazes de obter uma quantidade sem precedentes de dados sobre os próprios veículos e também motoristas. A batalha para saber quem poderá acessar todos esses dados gera um debate embaraçoso em meio aos recentes anúncios das montadoras, que estão promovendo seus novos veículos com capacidade de acesso à internet.
O futuro sobre quatro rodas promete ser revolucionário. Se estiver quase sem gasolina, um aplicativo fornecerá informações sobre postos de combustível. Se está na hora de trocar os pneus, o carro pode enviar um alerta sem fio para a sua concessionária quando chegar o momento. Está na hora do almoço? O automóvel pode lhe dar uma boa sugestão.
Um aplicativo de restaurantes poderá, em breve, ir além. Por exemplo: se a pessoa no banco de trás estiver assistindo a um filme da Disney, é possível mostrar um anúncio publicitário do combo infantil Mc Lanche Feliz ou o endereço do McDonald’s mais próximo.
Faz tempo que os carros reúnem dados para monitorar segurança e desempenho. Mas a conectividade permitirá que uma série de partes envolvidas – montadoras, desenvolvedores de software e talvez até policiais – tenham acesso a tais informações, dizem os defensores da privacidade. Em 2017, mais de 60% dos veículos em todo o mundo estarão conectados diretamente à internet, um aumento de 11% em relação a 2012, prevê a ABI Research. Na América do Norte e na Europa, essa porcentagem deve chegar a 80%.
Muitos carros já registram informações sobre velocidade, direção e marcha. Também mostram quando os freios são ativados e por quanto tempo. Sistemas mais modernos registram ainda se a superfície da estrada está escorregadia ou se o motorista está usando cinto de segurança – informações potencialmente valiosas para a polícia e empresas de seguro quando investigam acidentes.
“Os carros produzem literalmente centenas de megabytes de dados a cada segundo”, diz John Ellis, técnico da Ford que exibiu alguns dos novos sistemas baseados em internet no Mobile World Congress, uma mostra das inovações tecnológicas realizada em Barcelona no fim de fevereiro. “A tecnologia está avançando muito mais rápido do que as leis ou os modelos de negócios conseguem acompanhar. O que o governo pode fazer? O que você pode fazer?”
Nos Estados Unidos, as novas regras propostas com vistas à segurança nas estradas exigirão que, em 2014, todos os carros novos sejam equipados com “caixas pretas” que registrarão as informações do veículo desde os segundos finais antes e depois de um acidente. Este projeto levou vários grupos de defesa da privacidade a pressionar para que seja feita uma declaração explícita de que os dados retidos num veículo são de propriedade do motorista e as autoridades só terão acesso a eles sob determinadas condições.
Diário de bordo. Mas alguns sistemas de computação de veículos já em circulação têm muito mais potencial para monitorar o comportamento de um motorista do que as caixas pretas. O New York Times publicou recentemente um artigo em que criticava um carro elétrico – o jornal afirmou que o veículo perdia potência em dias frios. Para se defender, a fabricante, Tesla, deu uma resposta excepcionalmente detalhada, com base nos diários de bordo mantidos pelo computador do veículo.
Hoje, praticamente não há normas legais sobre que tipo de informação um veículo pode armazenar, como ela pode ser utilizada e por quem. Cada fabricante produz seus próprios sistemas de internet para o computador de bordo do veículo, e cada uma estabelece regras específicas que poucos consumidores examinam e um número ainda menor deles compreende. “As pessoas estão sendo levadas a ceder muita informação e talvez seja hora de alguém perguntar o que achamos”, disse Dorothy J. Glancy, professora de direito da Universidade de Santa Clara que estuda esses temas envolvendo privacidade e transporte.
O sistema de internet usado pela Ford, que há duas semanas anunciou uma integração mais profunda com o popular aplicativo de música Spotify, depende do smartphone do usuário para que seja feita a conexão com os serviços sem fio. Com essa integração, alguns dados do veículo poderão ficar disponíveis para os desenvolvedores através de uma plataforma de internet aberta, o que permitirá o surgimento de uma nova geração de aplicativos que vai utilizar essas informações, afirma Ellis, especialista em tecnologia da Ford . “A política de privacidade das fabricantes de aplicativos é que vai determinar como as informações pessoais de um indivíduo poderão ser utilizadas”, diz ele.
Videoclipe. A General Motors também acabou de anunciar seus planos para instalar conexões sem fio de alta velocidade em todos os seus veículos lançados a partir de 2015, em parceria com a AT&T. Um dos protótipos à mostra em Barcelona, um Cadillac ATS sedan azul escuro, vem equipado de um streaming de vídeo, aplicativos de música e câmeras dirigidas tanto para o interior como para o exterior do carro. É possível até gravar videoclipes dos ocupantes do veículo.
Outra função possível do carro será alertar os proprietários, por meio de mensagem de texto, se o veículo sofrer uma colisão ou uma pancada. “Isso permite à pessoa manter-se conectada com o carro mesmo não estando dentro dele”, diz Stefan Cross, porta-voz da GM. “Temos esses dados, mas não pretendemos liberá-los para terceiros.”
Mas, para os especialistas, na ausência de leis consistentes sobre privacidade, dados valiosos poderão vazar. Qualquer informação produzida por um veículo e transmitida pela internet acabará nos servidores e se tornará um alvo potencial para autoridades e advogados trabalhando em processos judiciais, ou mesmo hackers. As empresas também poderão fornecer os dados para os desenvolvedores de aplicativos em busca de novos produtos.
Nos últimos anos a Comissão Federal de Comércio vem adotado medidas contra empresas de tecnologia por não protegerem adequadamente dados pessoais de clientes. A perspectiva de o governo passar a ter acesso a novos fluxos de informações pessoais de um indivíduo preocupa também os especialistas. Os dados do veículo poderão ser usados para gerar multas ou processar motoristas depois de acidentes. “O controle do indivíduo será muito mais minucioso do que agora”, diz Jay Stanley, analista na American Civil Liberties Union.
Fonte: THE WASHINGTON POST – O Estado de S.Paulo
Tradução: TEREZINHA MARTINO